Depois de um bom tempo morando na Irlanda, é inevitável não fazer um balanço e ver o saldo dessa novela toda. Às vezes, pego-me muito confuso e com um misto de sentimentos sobre o país. Ora feliz, ora triste.
Como sou um sujeito mais racional que emocional, pus na ponta do lápis o que são esses sentimentos de amor e ódio que tanto me fazem refletir sobre a vida aqui.
O AMOR
Vamos começar pelo Amor, para adoçar os corações de quem estiver pensando em vir para cá e não chocar tanto.
Diversidade cultural
Esse país tem gente de tudo quanto é lugar desse mundo. Se você pensar que dos atuais 4.609.60 habitantes, 564.200 (12,24%) são não-irlandeses, há muita gente falando outras línguas, com outras culturas, outras histórias, outras características, etc.
Isso me fascina profundamente, pois você tem a oportunidade de conhecer o mundo sem sair do lugar, aprender vários idiomas com os melhores professores, além de viver em um mundo tão multi cultural que não tem espaço para preconceitos, mentes fechadas e visões curtas.
Segurança
Uma observação que fiz sobre minha passagem aqui é que sempre andei pela cidade com mochila nas costas, coisa que NUNCA fiz no Brasil.
Sem sombra de dúvidas, há crimes aqui como em qualquer outro lugar do mundo. Batedores de carteira, agressores, pedófilos, assassinos, etc. Mas os maiores incidentes que vi aqui até hoje foram roubos de bicicletas e jovens jogando pedras e ovos nos outros, principalmente nos imigrantes. Ou seja, nada demais!
No meio em que vivo, nunca ouvi falar que fulano foi roubado e agredido ou que ciclano foi esfaqueado ou tomou um tiro.
A maioria dos roubos que vejo aqui acontece por a vítima acha que por estar na Europa pode fechar os olhos e achar que está vivendo sob segurança máxima. Aí o sujeito volta para casa sozinho 4h da manhã, trocando as pernas de tão bêbado e chamando a atenção de delinquentes, que o pior de fato acontece.
A polícia daqui não anda nem armada. Tá certo que ela na minha opinião é um pouco inútil. Nunca a vi intervir em nada dos fatos cotididanos de forma eficiente. Mas isso mostra também o nível de segurança do país.
Educação
Vai ser um pouco paradoxal o que vou falar se você focar somente no item anterior, mas as pessoas aqui são muito educadas e cortesas, principalmente os europeus ocidentais.
O irlandês especificamente é muito bincalhão e tem um prazer enorme em agradá-lo. Eles são bastante altruístas, daqueles que querem vê-lo bem o tempo todo. Devo muito do que consegui até aqui a uma irlandesa que me ajuda demais desde que cheguei no país e que por sinal é uma das minhas chefes.
Às vezes, vê-se turistas nas ruas um tanto perdidos com seus mapas tentando encontrar algum lugar, e de repente, eis que um irlandês aparece do nada oferecendo ajuda e às vezes até andar alguns metros para mostrá-lo melhor para onde você tem que ir.
Apesar de muitos deles não gostarem do próprio país, eles ficam muito felizes em ouvir que você, imigrante, gosta do país deles.
Aqui, pede-se desculpa para tudo. Sorry para pedir passagem, Sorry para chamar a atenção de alguém, Sorry para de fato pedir desculpas por algo, e por aí vai. E o agradecimento não é um simples obrigado, mas um obrigado "um milhão de vezes" (Thanks a million).
Transporte público
O transporte público na Irlanda ainda não é dos melhores da Europa tampouco do mundo. Ele é caro, não atende muito bem às necessidades dos cidadão, mas por outro lado ele é integrado (ônibus, metrô e trem), novo, confortável, rápido e ainda não fica lotado o tempo todo. Essa coisa de ir para o trabalho em pé, ralando em gente suada, é só um capítulo passado da minha vida.
Ter um carro aqui não é de extrema necessidade. Você descobre que consegue ser feliz à pé.
Qualidade de vida
A Irlanda tem muito a oferecer para quem quer ter qualidade de vida. Para começar, a criminalidade é baixíssima se comparada com nossa realidade brasileira.
O ar é muito mais puro. O trânsito menos caótico. O seu dinheiro rende mais. Viajar aqui não é luxo para poucos, é rotina para quem quiser tê-la. O verde está literalmente em todos os lugares. Dormir depois de almoço em um parque não é conto de fadas. Ter a bicicleta como principal meio de transporte não é ilusão.
Diante de todos os problemas que um imigrante venha a ter, a qualidade de vida ainda é um dos principais fatores para fazer você amar a vida por aqui.
Chance de sucesso
A Irlanda é carente de muitas coisas, principalmente profissionais capacitados para exercer atividades da área da saúde, engenharia, entre outras.
Costumo falar que o sujeito que vier para cá para realmente fazer a diferença, vai atingir um sucesso inimaginável.
O ÓDIO
Toda história tem seu lado negro e espinhoso. Por isso, chegou a hora de mostrar o que realmente não gosto nesse lugar.
Estilo de vida
Não vou falar dos irlandeses, por que não conheço muitos. Mas tenho contato direito e indireto com a comunidade brasileira e de outros imigrantes, pelo menos, aqui em Dublin. E a sensação que tenho é que a maioria vive de uma forma muito superficial.
O consumo de bebida alcoólica e de drogas aqui é assustadoramente alto e indiscriminado, entre homens e mulheres.
As noites nas casas noturnas e after parties (festas de fim de noite em residências) são regadas a ecstasy e os fins de tarde no parque e intervalos do dia-a-dia são permeados de maconha.
A diversão aqui não existe para a maioria sem que uma droga esteja no meio. Tabaco então... uma das coisas que mais me entristece nesse lugar desde que pus o pé aqui é o fato de que muita gente fuma. Quando falo muita gente, é muita mesmo. Eu fazia uma brincadeira um tanto maníaca de contar o tempo para alguém acender um cigarro. Após dois anos, devo conhecer menos de dez pessoas aqui que não fumem ao menos esporadicamente.
Pessoas que mal chegam no país, em vez de procurarem um emprego simples mas decente e começarem a escrever a bela história a que se propuseram ao sair de casa, já se embrenham em meio ao comércio de entorpecentes e viram mulas nas noites da capital e interior.
E você, meu caro, que não apenas não gosta como abomina esse estilo de vida, vai se sentir um peixe fora d'água no meio dessa realidade.
Relacionamento por interesse
A caça a um passaporte europeu é algo assustador entre brasileiros e outros gringos. O amor à moda antiga e o sentimento verdadeiro ficaram no passado e as relações agora são virtuais (Tinder, POF, OkCupid que nos digam) com a simples finalidade de um sexo casual e eventualmente um relação baseada em interesses - aprender inglês mais rápido? - e/ou aparências - estou pegando um (a) gringo (a).
Aqui, até muitas amizades são por interesse. Como tudo é passageiro e os nervos estão sempre à flor da pele (pela lonjura de casa), todo mundo é amigo e gente boa pelo tempo que durar a amizade.
Eu, com minha experiência de pouco mais de dois anos na ilha da esmeralda, já fui procurado por pelo menos cinquenta pessoas que queriam ajuda, dicas e algum tipo de apoio. Eu obviamente ajudei e até me tornei amigo virtual de muitas delas que ainda estavam no Brasil e que jamais me procuraram para dar um "oi" depois que pisaram aqui na ilha.
Acompanhei muitas delas de longe por aqui, arrumei emprego para outras e nem assim tiveram a curiosidade de conhecer de perto quem estendeu a mão para elas quando a dúvida do intercâmbio as corroíam por dentro.
É mais fácil você aceitar que a vida é assim e que isso nada mais é que o ser humano sendo ser humano, que pelo menos você sofre menos.
Clima
O clima aqui é algo surreal. A gente vê todas as estações em um único dia. Chuva, sol, calor, frio, vento... Oh pai, ninguém merece!
O verão dura uma semana de sol e calor. O inverno dura o resto do ano. Os dias são escuros demais nos meses de dezembro e janeiro. Amanhecer às 10h e anoitecer às 16h é algo normal.
Acreditem, o clima deprime as pessoas.
Amizades curtas
Já há mais de dois anos que estou morando na Irlanda e um fato que me entristecia muito no primeiro ano e que agora eu aprendi a lidar, é a falta de amizades sadias e duradouras.
A questão do "sadia" é fácil entender se você leu os parágrafos anteriores. Com relação a duradoura, é por que a ilha é uma passagem para pelo menos 4% dessa população, que são os imigrantes não europeus e que vivem majoritariamente sob as limitações de um visto de estudante, tendo que deixar o país após algum tempo.
Não raro, quando você se apega a alguma pessoa, é hora dela ir embora. Você vai ficando, ficando, ficando, e vendo todo mundo chegar e sair. É como aquele indivíduo de 90 anos de idade, que viu muita gente nascer e morrer e ele ainda está lá escrevendo sua história. Infelizmente, se você não aprende a lidar com essas idas e vindas, você terá mais um motivo para se deprimir.
Achei que isso aconteceria somente comigo ou com alguns brasileiros de quem ouvi as mesmas reclamações. Mas não! Uma amiga italiana reclama das mesmas coisas. Já viu muita gente chegar e sair do país e deixá-la para trás.
Burocracia e malandragem
Certa vez ouvi a sogra do meu irmão (que mora em Nova Iorque há mais de 30 anos) que o que estraga os Estados Unidos é o imigrante. Achei aquela frase um tanto filosófica. E hoje morando fora tenho as mesmas conclusões.
A Irlanda está longe de ser perfeita mesmo se tivesse somente irlandeses aqui. Muito pelo contrário, nem mesmo os nativos querem ficar aqui e por isso emigram.
Infelizmente, muita gente (para não generalizar) do dito terceiro mundo vem para cá fazer as cagadas que fazem lá e contribuem para piorar a qualidade de vida de quem quer levar às coisas à sério aqui.
Somado a isso, tem o fato de que a Irlanda como um todo é atrasada em vários aspectos se comparada a outros países, como a vizinha Inglaterra. Nem código postal aqui tinha até um mês atrás...
Eles simplesmente não sabem como conduzir várias situações. O sistema de imigração é uma bagunça (minha opinião), o Conselho de Enfermagem é desoganizado, o sistema bancário é lento e por aí vai.
A vida de imigrante
Well, a vida de imigrante não é fácil. E quando falo imigrante, não faço menção àqueles intercambistas quem tem data para voltar para casa, por que para eles a realidade é diferente. Qualquer problema que tiverem, o caminho de casa é um só. Mas para mim e outros mais que não vieram à passeio, o compromisso de fazer as coisas darem certo é um tanto desgastante e às vezes penosa.
A gente sempre esbarra nas leis, que nem sempre nos favorece. Esbarramos no fato de estamos longe da família e amigos de infância em luta por um ideal. Esbarramos muitas vezes numa solidão e dificuldades que parecem não ter fim.
Quando você começa essa jornada, seus trabalhos são os piores, sua renda é muito baixa, seu padrão de vida cai abruptamente e aquela velha rotina do Brasil... já não existe mais. Sair da zona de conforto não é fácil como parece, meu amigo.