A decisão de morar em outro país não é fácil, exigindo muito planejamento, estrutura financeira, psicológica e acima de tudo coragem.
A vida em outro país significa várias mudanças, na maioria das vezes de 360 graus na sua antiga vida, pois junto com a mudança de endereço físico, vem a mudança de culturas, hábito e culinária, entre outros.
Lembro-me do meu pai se perguntar algumas vezes o porquê de muitos brasileiros morarem fora do Brasil e depois retornarem falando que ele é o melhor do mundo ou mesmo o porquê de muitos gringos morarem no Brasil alegando o mesmo. A resposta é certamente bastante subjetiva, mas andei pensando sobre isso e como já faz quase um ano e meio que moro na Irlanda, resolvi relatar aqui minha percepção das perdas e ganhos de se morar em um país estrangeiro, tomando como referência o Brasil, obviamente.
O QUE SE PERDE?
1 - Clima
O clima na Irlanda é majoritariamente frio e chuvoso. Sol aqui é raridade! Com isso, você vai perder o bronzeado e, se não se alimentar direito, pode ter problemas de saúde a longo prazo, por falta de vitamina D, falta de ânimo para as atividades diárias, dores pelo corpo, entre outros. Hoje, eu percebo a importância do sol no humor das pessoas.
Diria que qualquer país mais afastado da linha do equador teria mais mais ou menos a mesma realidade. Se você é um amante do sol, vale a pena pensar bem na sua escolha e talvez ir para um país mais tropical.
E meu amigo (a), você que está acostumado com o calor infernal da sua região e sempre falou que amaria morar em lugar frio, repense sobre sua nova morada, por que temperaturas baixas só são gostosas no início, mas depois de alguns dias e meses você vai sentir falta do seu forninho. Lembro-me de ter pegado -17 graus na Turquia e, Pai Amado! Eu simplesmente não sentia mãos e pés mais...
2 - Alimentação
A culinária irlandesa não é das mais diversificadas e saudáveis. Come-se aqui muito carboidrato e fritura. E, de forma geral, comer bem e de forma saudável é caro. Como um imigrante não muito endinheirado, você muito provavelmente se alimentará de forma mediana a mal.
Considerando os países que já visitei, diria que os lugares que mais gostei da comida foram no leste europeu. Como na maioria dos lugares, encontra-se culinária internacional, mas a local é de muito boa qualidade e, não menos importante, barata.
3 - Trabalho
Desconsiderando que a vida que levo faz parte do meu planejamento de estruturação no país, meu trabalho atual é informal e, em tese, explora menos minhas habilidades e meu intelecto do que o que eu tinha no Brasil.
Ainda, em um trabalho que não exija grandes qualificações, você será remunerado pela base do salário mínimo, o que ao fim de um mês trabalhado o permitirá pagar suas contas e ter alguma sobra, mas que não é grande coisa.
4 - Moradia
Há quem tenha a mente mais aberta e leve o fato de dividir casa com pessoas estranhas de forma suave. Mas acredito que, à medida que o tempo passa e você vai ficando mais velho, sua intolerância para algumas coisas aumenta.
Dividir quarto com pessoas completamente diferentes de você, lidar com o colega que todo dia faz festas na casa, com aquele que ronca absurdamente alto, com aquele muito metódico...tudo isso pode acabar minando sua energia e o deixando mais irritado com sua experiência no exterior.
Como a maioria dos imigrantes, não foi diferente comigo, portanto, moro de alugel. Sempre tive a opinião de que morar assim é perda de dinheiro, mas, por necessidade acabei me submetendo a essa vida. Para piorar, o setor imobiliário na Irlanda está muito inflacionado e, os aluguéis são muito altos. Se eu me lembrar que eu não pagava aluguel no Brasil, eis um ponto negativo de viver por aqui.
5 - Rotinas Domésticas
É amplamente difundido na Irlanda a prática de lavar roupa com água quente. Nenhuma máquina que eu tenha visto aqui tinha a opção de água fria. Com isso, as roupas soltam tinta, encolhem e rasgam. Se você tiver apego às suas roupas, pode começar a pensar em um plano B, talvez pedir ao Landlord para desligar a água quente da máquina, ou mesmo lavar à mão ou em lavanderias.
Só para constar, quase todas as minhas blusas brancas ou ficaram cinzas ou verdes e, além do mais, todas as minhas roupas encolheram.
tem apenas dois tipos de pias, a do banheiro (lavatório)Para piorar, não é comum na arquitetura dos apartamentos irlandeses ter tanques de lavar roupa na área de serviço (nem mesmo ter a área de serviço). Em outras palavras, qualquer roupa ou calçado que você queira lavar, terá que fazê-lo ou na banheira de tomar banho ou na pia da cozinha. Em geral, as casas e a da cozinha.
Somado a isso tudo, a Energia elétrica na Irlanda é muito cara. Por isso, as empresas fornecedoras de energia oferecem planos ao consumidor de forma que ele economize de noite. Considerando que uma das maiores despesas de uma casa na Irlanda é a máquina de lavar roupas, as pessoas acabam fazendo o serviço após 23h ou 0h, quando se inicia a tarifa reduzida. Isso, além de ser regra na maioria das casas, é um tédio após algum tempo, pois você tem que esperar até tarde para ligar a máquina, tendo que acordar cedo no dia seguinte.
6 - Água Potável
Não é muito comum na Irlanda se encontrar filtros de água nas torneiras, pois, é de conhecimento geral que ela é naturalmente passível de ser consumida.
Desta forma, é muito normal de se beber água da torneira em qualquer lugar do país e mesmo da Europa.
Vale a pena saber que, se você quiser beber água da torneira na Irlanda, beba sempre da torneira das cozinhas ou outra que esteja indicada para tal, pois as tubulações das casas vem de locais diferentes e, exceto pela cozinha, as outras torneiras possuem água não tratada.
Ainda sim, a água da cozinha pode não ser das mais limpas, se você considerar que casas e prédios do país são geralmente antigos, com tubulações velhas e possivelmente de ferro. Logo, não raro se bebe água turva por aqui, como eu já bebi várias vezes. Saiba mais sobre á agua da Irlanda no artigo Bebendo água da torneira: guia para viajantes.
Há quem prefira comprar água mineral nos super mercados. Eu preferi arriscar as águas de torneira e ainda não sofri grandes consequências. Só espero que não tenham metais pesados =))
Falando-se da água para tomar banho, na Irlanda especificamente, ou voce se queima de tão quente que é a água ou se congela de tão fria. É consenso entre os que moram por aqui que é muito difícil temperar a água na hora de tomar banho, e, muito honestamente não sei explicar o porquê, mas é uma verdade.
É bem possível que você perca mais ou menos um minuto tentando temperar a água até de fato iniciar seu banho. E, como brevemente passaremos a pagar pelo consumo de água na Irlanda, teremos que encontrar um jeito de evitar esse desperdício!
7 - Distância da Família
Quando se toma a decisão de morar fora do país, na maioria das vezes isso significa deixar amigos e familiares para trás e passar a conviver com a sofrida distância.
Eu aprendi com a vida que amigos vem e vão muito facilmente, que a maioria das amizades não passa de mera conveniência, mas família é única e estará sempre ao seu dispor para quando você precisar. A propósito, esse distanciamento da minha vida passada tem me mostrado quem de fato é amigo e quem não é. Mas família é sempre a mesma, com o mesmo carinho, apoio, cumplicidade e dedicação. E, por mais que você faça novos amigos, ninguém preenche o vazio que a família deixa em você.
Eu particularmente não sou mais do tipo que me confidencio e despejo minhas lamúrias para qualquer pessoa e, mesmo tendo contato direto com meus pais, penso sempre em não preocupá-los com os meus problemas. Em outras palavras, a presença deles faz falta, acredite.
8 - Vícios
Não que eu seja um conservador irredutível nas minhas opiniões e pensamentos, por que não sou. Pelo contrário, sou tolerante e cabeça aberta, além de ter grande amigos usuários de drogas e afins. Mas, viver aqui na Irlanda me surpreendeu imensamente pelo número de usuários de drogas lícitas e ilícitas. O consumo de álcool e outras drogas é absurdamente alto e indiscriminado. Isso me choca a cada dia, por que vejo pessoas fazendo coisas que não fariam em seus países, distorcendo valores de bem estar e saúde.
Na maioria das vezes, é como se eu me sentisse um peixe fora d'água por não compartilhar dos mesmos hábitos, pois olho para as pessoas e conto os segundos para vê-las colocando um cigarro na boca ou algo parecido. Sei que esse fato é comum no Brasil, mas considerando-se o tamanho geográfico e populacional e desenvolvimento de ambos, eu esperava uma Irlanda muito mais politicamente correta neste aspecto.
9 - Imigrante
Você pode morar o tempo que for em outro país, ter cidadania, visto de trabalho ou o que for, mas no fim você sempre será um imigrante. Graças a Deus nunca sofri nenhum preconceito, mas o fato de você ser um imigrante faz com que algumas pessoas sempre o olhem ou o tratem um pouco diferente.
A culpa de certos problemas sociais sempre será do imigrante. Na Irlanda por exemplo há uma taxa de desemprego relativamente alta, mas isso se deve ao fato do país ter sido amplamente povoado por pessoas de outras nacionalidade, que acabam entrando na competição por uma posição no mercado de trabalho.
A xenofobia pode se tornar um problema sério para muitos, pois eventualmente há grupos sociais que se manifestam verbal e fisicamente contra imigrantes, como acontece na Irlanda. Por aqui, não raro ouvimos casos de pessoas serem atacadas com ovos e balões d´'agua por locais.
O QUE SE GANHA?
1 - Idioma
Morar na Irlanda me proporcionou aprender outros idiomas. Por uma necessidade circunstancial, dividi casa com outros imigrantes, sendo alguns deles de outros países. Além disso, Dublin é uma cidade muito globalizada, tendo pessoas do mundo inteiro. Aqui, fala-se um pouco de vários idiomas e cabe a você querer aprendê-los.
2 - Segurança
É visível e inegável que a segurança no país não é a mesma de quando eu cheguei. A criminalidade tem aumentado consideravelmente, mas, casos de assassinato, sequestro, terrorismo e outros crimes do tipo são muito raros aqui, para não dizer inexistentes. Os crimes mais recorrentes são pequenos furtos na rua, roubos em casas e de bicicletas (um dos principais meios de transporte do país).
3 - Férias
As leis trabalhistas da Irlanda garatem ao empregado em torno de quatro semanas de férias pagas em um ano, que geralmente podem ser divididas de acordo com as estações do ano. Em outras palaras, você pode tirar alguns dias de férias em mais de um momento do ano. Ainda, se for acordado com o empregador e dependendo do trabalho, você pode ter tantas férias quanto quiser, lembrando que o excedente de quatro semanas não será remunerado.
4 - Amizades
A menos que você seja muito antissocial, você será obrigado a conversar com as pessoas, no mínimo para resolver questões quotidianas.
Indo mais além, você conhecerá pessoas novas todos os dias, especialmente em países com perfil como o da Irlanda, em que há muitos imigrantes e é uma moradia temporária para muitos. A sua gama de amigos não se limitará mais a pessoas da sua cidade e país, mas do mundo inteiro. E, esse vaivém de pessoas e intercâmbio cultural favorecem a interação entre as pessoas e o surgimento de grandes amizades.
5 - Viajar
A maioria dos países da Europa é menor do que alguns Estados do Brasil. Isso favorece que você os conheça muito bem e em pouco tempo. Em função da acessibilidade e custo, viajar ostensivamente na Europa é prática de muitos que moram por aqui e de vários outros que desejam conhecer o velho mundo.
Segundo meus cálculos, viajar dentro da Irlanda é mais caro do que viajar para outros países, mas assim sim é acessível, especialmente se você dividir os custos com um grupo de amigos.
Essa realidade talvez não seja tão diferente em outros continentes. Basta escolher em países com economia forte e com o turismo desenvolvido para que você tenha acesso aos mesmos benefícios.
6 - O Novo
A menos que você seja uma pessoa acomodada e que ama seu ciclo vicioso, a vida nova e o mundo novo o trará muitas alegrias e realizações. Novos ares, novas amizades, novas vivências e novos amores. Há momentos na vida que a gente precisa se afastar das nossas próprias vidas e começar de novo para sermos felizes.
7 - Habilidades Gastronômicas
Apesar de não gostar nenhum pouco de perder tempo arrumando cozinha e lavando louça, aprendi a gostar de cozinhar. Pela necessidade de me alimentar e economizar, eu desenvolvi minhas habilidades culinárias e até tomei gosto pela arte, sendo capaz de fazer pratos mais elaborados e gostosos.
8 - Atividade Física
É notável que engordei nesse tempo que estou morando aqui. Mas atribuo essa infelicidade ao fato de ter uma alimentação de baixa qualidade e ter minhas horas de sono muito comprometida. Por outro lado, sou totalmente independente do meu carro, por que não o tenho aqui. Ainda, caminho bastante e diariamente, coisa que não fazia outrora. Como a maioria das cidades européias são pequenas e planas, as pessoas se locomovem basicamente à pé ou de bicicleta, o que não é diferente comigo.
Ademais, eu tenho um plano anual em uma academia perto de casa, a qual posso frequentar sete dias por semana em quaisquer das modalidades disponíveis.
9 - Poder de Compra
Não fiquei rico depois que resolvi morar fora do Brasil, e para falar a verdade estou longe disso. Mas, apesar do custo de vida elevado por aqui, vive-se muito bem com pouco. Os produtos, sejam eles quais forem, são na maioria das vezes de qualidade superior aos do Brasil e podem ser adquiridos por preços muito baixos.
Seu dinheiro aqui rende mais e o dará mais chances de usá-lo como você gostaria de fazer no Brasil e não pode.
10 - Independência Financeira
Bem, como falei anteriormente, não fiquei rico depois de morar fora do Brasil, mas hoje eu pago minhas próprias contas sem depender da ajuda dos meus pais. Isso me faz extremamente feliz, por que pela primeira vez na vida posso falar que sou totalmente independente deles.
11 - Liberdade de Ser e Existir
Uma das coisas que observei na vida fora do Brasil é quanto o brasileiro dá importância para coisas fúteis. O brasileiro é mestre em julgar etnias, opção sexual, como as pessoas se vestem, se são gordas ou magras, se são ricas ou pobres, se tem carro ou não, e por aí vai.
Não que isso não exista fora do Brasil, mas aqui na Irlanda, por exemplo, o povo literalmente não dá a mínima para essas coisas. Percebo que aqui as pessoas tem a liberdade de ser e estar como quiserem. Há alto número de homossexuais, negros, pardos, amarelos, ruivos, sardentos, gordos, etc. Não raro você verá pessoas indo ao mercado vestindo pijamas, mulheres com quilos de maquiagem no rosto, peles artificialmente e horrorosamente bronzeadas. É possível que você se sente em um bar ao lado de um sujeito qualquer e este sujeito ser um dos vários milionários do país.
No fim das contas, o mais interessante é que ninguém liga para isso! Todo mundo aqui é igual! Você pode ser e fazer o que quiser sem ser incomodado.
Eu particularmente gosto dessa vida, pois tenho aprendido a desapegar de alguns valores desnecessários e a valorizar o que de fato tem importância e que vai me garantir longevidade!
12 - Corrupção e Honestidade
Dizer que não há corrupção em outros países seria hipocrisia, mas sinto que a corrupção que existe em alguns deles não afetam tão negativamente a população local. Não houve um país que eu tenha visitado e que eu tenha algo a reclamar de transporte público, saúde pública e violência, entre outros - a questão saúde envolve maiores discussões, mas de forma geral ela é muito boa nos lugares por onde passei.
Muito pelo contrário, tudo que eu pude pensar para tornar a vida do cidadão mais fácil e mais "vivível", eu vi.
Quanto à honestidade, obviamente há pessoas falsas e desonestas em qualquer lugar, mas percebo que é isso é muito cultural e, de forma geral, em países chamados de primeiro mundo, as pessoas são bem corretas com princípios gerais de vida. Os grandes problemas desse aspecto que vejo na Irlanda hoje são causados por latinos e pessoas de outros países menos favorecidos economicamente.
13 - Transporte Público
A primeira vez que andei de metrô foi em Belo Horizonte, certa vez que fui jogar futebol com alguns amigos. Episódio raro, pois não há muitas linhas e as que existem não atendiam minha necessidade diária.
A segunda vez que andei foi em Madri. Dali em diante vi como um transporte público de qualidade faz diferença na vida das pessoas. De lá para cá, mal ando de ônibus, pois as linhas de metrô e trem mundo afora são muito eficazes para se chegar onde quiser e na hora que quiser. Ônibus e taxis acabam sendo opção secundária para muitos, mesmo por que ainda há as bicicletas, que dominam a Europa, por exemplo.
Sou muito feliz por não ter que pegar mais ônibus lotado, por não ter que dormir em pé neles ao voltar para casa após um dia de serviço, ou ter que ficar agarrado no trânsito por horas e por aí vai.
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Eu tenho pregado que qualidade de vida é aquela que o faz feliz. Ao se analisar friamente perdas e ganhos de se morar fora do Brasil, minha conclusão é de que toda experiência é muito válida e enriquecedora e, no meu caso, viver aqui é de longe melhor do que eu estaria vivendo no Brasil se eu considerar perspectivas de futuro pessoal e profissional.
A gente não nasce gostando de nada na vida, aprendemos no decorrer de nossa existência. Certamente, muitas coisas me fazem falta, mas entendo que dificilmente teremos tudo que queremos ao mesmo tempo. Hoje em dia, já não espero tanto da vida quanto outrora e me dou por satisfeito apenas em ter saúde e poder lutar pelos meus objetivos.
E, para responder às perguntas que meu pai se fazia, eu diria que o brasileiro de forma geral é muito enraizado em sua cultura e tem dificuldades de encarar e lidar com o novo, não vendo além do que os olhos podem enxergar. Ao contrário, europeus, americanos e australianos, por exemplo, são mais independentes e se adaptam melhor a novas realidades, o que os tornam desbravadores e inovadores por natureza.
Mas enfim, qual o melhor lugar do mundo para se viver? Certamente é aquele que o faz feliz.